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domingo, 19 de abril de 2015



LÁGRIMAS DE GENTE E DE CROCODILO

Mais uma catástrofe humanitária nas águas do Mediterrâneo, uma das mais graves entre as mais graves. E logo nestes dias em que a propaganda ao serviço do regime político da União Europeia acordou para o problema, arregimentando profissionais da comunicação social para tentar convencer a opinião pública de que não tem nada a ver com o drama, pelo contrário, faz os possíveis e impossíveis para salvar náufragos.
Passemos por cima de histórias mal conhecidas e logo abafadas de navios europeus fazendo de conta que não vêm refugiados à deriva nas águas, de perseguições movidas por barcos de guardas costeiras a bateiras de refugiados até que naufraguem, como aconteceu na Grécia, de decisões à revelia dos acordos internacionais expulsando imigrantes para os países de origem.
Será que a Europa não tem mesmo nada a ver com esta situação e apenas se limita a fazer os possíveis e impossíveis, repete-se, para cuidar dos vivos e enterrar os mortos? A culpa é toda do terrorismo islâmico em geral e desse tal Estado Islâmico em particular, que deu as caras ao mundo há três anos, no máximo, sendo que as tragédias com refugiados no Mediterrâneo se arrastam há muito, muito mais anos?
Façamos de conta que a culpa é toda do Estado Islâmico. Então de onde vêm os imigrantes? Sigamos as fontes da propaganda europeia: da Líbia, do Egipto, do Sudão do Sul, da Síria, do Iraque, do Afeganistão, da Somália, da Etiópia, do Mali, da República Centro Africana, do Chade, da Eritreia…
Como foram criadas nestes países as tragédias que obrigam as pessoas a fugir em busca não apenas dos meios de subsistência mas para preservar a própria vida e a dos seus, à mercê de guerras e terror sem solução à vista? Será que a União Europeia e, sobretudo, as suas potências mais sonantes nada têm a ver com a origem e desenvolvimento destes dramas? A União Europeia está inocente do caos reinante no Egipto, na Líbia, no Afeganistão, no Iraque, na Síria, no Sul do Sudão, no Mali? Não foram os países da União Europeia que aplaudiram freneticamente a primeira “guerra humanitária” da história, lançada pelos Estados Unidos na Somália ainda na década de noventa, que por acaso também correu mal e em nada resolveu nem humanizou o caos em que o país continua mergulhado?
A propaganda europeia descobriu agora que a Líbia é o principal entreposto do rentável negócio de carne humana proporcionado pelo tráfico de refugiados a quem prometem o paraíso europeu viajando em restos de barcos recuperados do lixo, em troca de todos os seus haveres. Ao que parece o negócio está nas mãos do tal Estado Islâmico, o que provavelmente é verdade. Mas só agora. Antes disso, a Líbia apenas se transformou no bem sucedido entreposto de carne humana depois de “libertada” e “democratizada” pela NATO, ao tempo em que a mesma NATO designou o terrorista e aliado Abdelhakim Belhadj governador militar de Tripoli – ele que agora é o chefe do Estado Islâmico no Magrebe (segundo a Interpol) depois de ter sido incumbido pela senhora Clinton e amigos, também europeus, claro, de atear ainda mais o fogo na Síria.
Façamos mais uma vez de conta que tudo o que atrás ficou escrito é ficção. Será a União Europeia uma entidade que tem uma atitude clara e humanitária de acolhimento dos refugiados, com uma política de asilo transparente e respeitadora dos direitos humanos? Ou, pelo contrário, a política praticada não passa de uma versão cada vez mais dura das tendências xenófobas, das perseguições religiosas de novo tipo suscitadas pelas manipulações perversas do fenómeno do terrorismo, correspondendo assim às prédicas neofascistas que percorrem o continente de-lés-a-lés? Será que isso tem acalmado o neofascismo ou, pelo contrário, continua a engordá-lo?
Uma coisa vos garanto não ser ficção: há muitas lágrimas de crocodilo à mistura com as lágrimas de gente que engrossam e salgam cada vez mais as águas do Mediterrâneo.
 

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