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domingo, 5 de abril de 2015


 
 
OS TUBARÕES E O SERVIÇO PÚBLICO

Está muito em voga pelas televisões do mundo fora, com origem nos Estados Unidos da América – onde havia de ser? – e promovido através de mensagens oriundas das mais pesporrentas centrais da charlatanice pós-moderna, um programa que é o focinho da mentalidade dominante. Chama-se Shark Tank, o Tanque dos Tubarões na tradução portuguesa, cuidadosamente subalternizada para não sujar a imagem de marca, e pretende demonstrar, em horário nobre, que os grandes capitalistas são pessoas como as outras e têm as virtudes acrescidas da generosidade, da bonomia, da compreensão, do rigor, da coerência, entre muitas outras mais.

A designação do programa é agressiva, como convém aos cânones da competitividade, graças aos quais só os mais capazes sobrevivem e têm direitos, mas os intérpretes – é preciso notar que se trata de teatro, mas do mais rasca – esforçam-se por demonstrar que tudo isso é compatível com generosidade, compreensão e amor pelo próximo.

Os capitalistas em cena têm pedigree, são apresentados “empresários de sucesso”, mas o sucesso não os transviou, do currículo não consta que tenham roubado bancos ou se espojem em paraísos fiscais; pelo contrário, eles são capazes de estender a mão aos que pretendem ser como eles, sem receio da concorrência, desde que não seja a do Estado, é bom de ver, porque capitalista moderno que se preza relegou o keynesianismo para o baú das velharias, o que conta é o mercado livre e puro.

O programa é capaz de buscar em cada um de nós uma veia enternecedora para com aqueles “empresários de sucesso”, simbolizando afinal todos os outros e que mais não são do que a casta, a elite que nos governa, para sorte e benefício da comunidade global. Eles não despedem pessoas, são apenas rigorosos; eles não pagam salários baixos, são apenas exigentes; eles não especulam, apenas multiplicam receitas; eles não pensam só em dinheiro, são até brincalhões e bem-humorados; eles não rapinam, são cavalheiros. São a estampa, afinal, de tudo o que deveríamos pretender ser, passando por cima dos outros, é certo, mas isso é a ordem natural das coisas, na selva como na vida. Na selva? Na selva não, porque aí existe lealdade, até os tubarões verdadeiros têm mais ética que o perfil cultivado nesta operação, mas disso não trata o programa.

E porque, ao contrário do que alguns dizem, esta sociedade se preocupa com a cultura e a inovação, o Shark Tank foi promovido à categoria de case study, vendido como um fenómeno de massas, um milagre de audiências, reportado como serviço público. Serviço público, é verdade, e depois ficam muito ofendidos quando se diz que a informação dominante é apenas propaganda.

Assim fica registado um dos mais recentes exercícios da charlatanice global. Como tantos antecessores e certamente muitos sucessores, é mais um reles caso de lavagem ao cérebro. O problema é que estas práticas atingem os objectivos pretendidos porque – é assim que funcionam as ditaduras mediáticas – são escassos os meios disponíveis para os denunciar e combater. 

 

1 comentário:

  1. O comitá central é que cria postos de trabalho ? É bom sermos todos iguais, mediocres e pobres? Não chega o resultado da experiência comunista? Já ninguém pensa assim

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