OS TUBARÕES E O SERVIÇO
PÚBLICO
Está muito em voga pelas televisões do mundo fora, com origem
nos Estados Unidos da América – onde havia de ser? – e promovido através de
mensagens oriundas das mais pesporrentas centrais da charlatanice pós-moderna,
um programa que é o focinho da mentalidade dominante. Chama-se Shark Tank, o
Tanque dos Tubarões na tradução portuguesa, cuidadosamente subalternizada para
não sujar a imagem de marca, e pretende demonstrar, em horário nobre, que os
grandes capitalistas são pessoas como as outras e têm as virtudes acrescidas da
generosidade, da bonomia, da compreensão, do rigor, da coerência, entre muitas
outras mais.
A designação do programa é agressiva, como convém aos cânones
da competitividade, graças aos quais só os mais capazes sobrevivem e têm
direitos, mas os intérpretes – é preciso notar que se trata de teatro, mas do
mais rasca – esforçam-se por demonstrar que tudo isso é compatível com
generosidade, compreensão e amor pelo próximo.
Os capitalistas em cena têm pedigree, são apresentados
“empresários de sucesso”, mas o sucesso não os transviou, do currículo não
consta que tenham roubado bancos ou se espojem em paraísos fiscais; pelo
contrário, eles são capazes de estender a mão aos que pretendem ser como eles,
sem receio da concorrência, desde que não seja a do Estado, é bom de ver,
porque capitalista moderno que se preza relegou o keynesianismo para o baú das
velharias, o que conta é o mercado livre e puro.
O programa é capaz de buscar em cada um de nós uma veia
enternecedora para com aqueles “empresários de sucesso”, simbolizando afinal
todos os outros e que mais não são do que a casta, a elite que nos governa,
para sorte e benefício da comunidade global. Eles não despedem pessoas, são
apenas rigorosos; eles não pagam salários baixos, são apenas exigentes; eles
não especulam, apenas multiplicam receitas; eles não pensam só em dinheiro, são
até brincalhões e bem-humorados; eles não rapinam, são cavalheiros. São a
estampa, afinal, de tudo o que deveríamos pretender ser, passando por cima dos
outros, é certo, mas isso é a ordem natural das coisas, na selva como na vida.
Na selva? Na selva não, porque aí existe lealdade, até os tubarões verdadeiros
têm mais ética que o perfil cultivado nesta operação, mas disso não trata o
programa.
E porque, ao contrário do que alguns dizem, esta sociedade se
preocupa com a cultura e a inovação, o Shark Tank foi promovido à categoria de
case study, vendido como um fenómeno de massas, um milagre de audiências,
reportado como serviço público. Serviço público, é verdade, e depois ficam
muito ofendidos quando se diz que a informação dominante é apenas propaganda.
Assim fica registado um dos mais recentes exercícios da
charlatanice global. Como tantos antecessores e certamente muitos sucessores, é
mais um reles caso de lavagem ao cérebro. O problema é que estas práticas
atingem os objectivos pretendidos porque – é assim que funcionam as ditaduras
mediáticas – são escassos os meios disponíveis para os denunciar e
combater.
O comitá central é que cria postos de trabalho ? É bom sermos todos iguais, mediocres e pobres? Não chega o resultado da experiência comunista? Já ninguém pensa assim
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