UNIÃO
EUROPEIA AFOGOU OS DIREITOS HUMANOS NO MEDITERRÂNEO
Os resultados da cimeira
da União Europeia dedicada à tragédia no Mediterrâneo confirmam que os
conceitos de “humanismo” e “direitos humanos” se transformaram em palavras ocas
a usar obrigatoriamente nos discursos e declarações oficiais, mas que deixaram
de fazer qualquer sentido nas mentes dos dirigentes, pervertidas por
estatísticas, indicadores, cálculos de deve e haver. O panorama tornou-se de
tal maneira vergonhoso que permitiu a emergência de Jean-Claude Juncker, o
tecnocrata impenitente que preside à Comissão Europeia, como figura dotada de
resquícios de alguma sensibilidade. Por isso ficou a falar sozinho e as suas
propostas foram derrotadas.
A arte propagandística da
manipulação dos números, usando termos como “triplicar verbas” e insistindo no
uso da palavra “milhões”, não resiste a uma avaliação breve dos resultados. Em
suma, os chefes dos 28 – que gastaram longas quatro horas dos seus preciosos
tempos à ameaça que paira sobre milhões de seres humanos – decidiram gastar 9
milhões de euros por mês nas operações de patrulhamento do Mediterrâneo através
do Frontex, a polícia das fronteiras externas da União, em vez dos 2,9 milhões
actuais. Pois bem, descodificando a multiplicação por três: os 9 milhões
correspondem ao que a Itália gasta sozinha na operação Mare Nostrum e, ao
contrário desta, que se estende até aos limites das águas líbias e tunisinas,
restringem-se apenas às águas territoriais dos países ribeirinhos da União, evitando
as zonas onde acontecem a maioria dos naufrágios. Recorda-se que o orçamento da
União Europeia para 2015 é de 161 800 milhões de euros
Como o preço da vida
humana anda de facto muito por baixo nas cotações bolsistas, note-se que 9
milhões de euros/mês correspondem a menos de um décimo do orçamento do Frontex,
que obviamente tem muito mais que fazer. O seu director-geral, Frederice
Leggeri, explicou que este corpo “não tem por missão salvar vidas”, e se o faz
é apenas por imposição “do direito marítimo”, porque deve dedicar-se, isso sim,
a “controlar e triar as entradas de imigrantes irregulares”.
No quadro das decisões
tomadas durante a trabalhosa reunião, a chefe da política externa da UE, a
italiana Frederica Mogherini, foi encarregada de ir estudar os meios jurídicos
a que é possível recorrer, no quadro das leis internacionais, para combater as
redes de traficantes de carne humana que medraram como cogumelos no
Mediterrâneo depois de a NATO ter “libertado” a Líbia. Ou seja, a dirigente
europeia vai reflectir nas leis para combater traficantes de pessoas que fogem
da guerra e da miséria depois de a União Europeia ter passado por cima de todas
as leis internacionais para fazer a guerra na Líbia e desmantelar o país,
deixando o terreno perfeito para os praticantes de todos os tráficos. Quanto
aos imigrantes propriamente ditos que sobreviverem às tragédias no mar
dificilmente escaparão à triagem do Frontex, muito mais preocupado em
expulsá-los para os países de origem, para as situações de que fugiram – sendo
que esta medida viola a Declaração Universal dos Direitos Humanos, coisa de que
não é matéria obrigatória, nem facultativa, nos cursos de economia neoliberal, incluindo
os tirados por correspondência. Para o acolhimento “solidário” dos imigrantes
que escaparem a tudo isto, a União Europeia vai criar um “programa piloto” de
integração, ideia que dificilmente encontrará saída no labirinto da burocracia
europeia, onde nem sequer ainda entrou. Talvez o objectivo seja esse.
Registemos que as quatro
longas horas de reunião foram um favor feito pelos dirigentes europeus aos
milhões de seres humanos vítimas de guerras e misérias. O presidente do
Conselho Europeu, o polaco Donald Tusk, foi muito claro quanto a isso: “a
Europa não causou esta tragédia, mas não quer dizer que lhe seja indiferente”.
Leram bem, sim. Um dos padrinhos do caos ucraniano diz que a Europa não tem
culpa nas guerras de que fogem os náufragos. Síria, Líbia, Iraque, Afeganistão,
Egipto, Mali … A União Europeia tem as
mãos limpas destes acontecimentos. A mentira e o absurdo tornaram-se
instrumentos privilegiados dos políticos que mandam na Europa.
Como nota final de mais
um episódio negro da história negra da União Europeia deixo-vos esta pérola
patética do impagável Hollande: “gostava que tivéssemos sido mais ambiciosos…”.
Então o que os impediu?
Sem comentários:
Enviar um comentário