O primeiro ministro de Portugal em exercício é um indivíduo
que tem da função a ideia de capataz inspirada em malfadados costumes cujas
origens remontam à Idade Média: servil, subserviente, curvado, lambe-botas,
delactor, graxista, enfim rastejante perante os senhores e as senhoras do
feudo; severo, punitivo, arrogante, arbitrário, violento e cleptocrata face aos
servos da gleba, neste caso todos nós, trabalhadores, povo – palavras de que
ele não toma conhecimento porque inquinadas por vícios quiçá marxistas,
preferindo colaboradores, público, substantivos bem apessoadas no léxico
mercantilista.
Entre as recentes declarações do primeiro ministro de
Portugal em exercício avulta uma que lhe tira o retrato na perfeição, como se
fora obtido com objectiva competente, velocidade e abertura certeiras. Disse
ele, durante estes cortejos de autos-de-fé organizados pelos senhores e
senhoras do euro e da União Europeia para lançarem fogo à pira onde amarraram a
Grécia – e outros - que Portugal não beneficia da flexibilidade dos credores da
qual supostamente usufruem os gregos.
Filtremos o absurdo de tal queixosa sentença, supondo que
tem alguma ponta de genuinidade.
E porque será que a Grécia beneficiará de tal
condescendência senhorial? Por lamber o caminho pisado pela senhora Merkel e o
senhor Hollande, pelo senhor Juncker e pelo senhor Djesselbloem, percurso esse
traçado pelos tais credores mais invisíveis que visíveis mas omnipresentes,
como qualquer deus que se preze?
Ou porque o governo grego, com todas as suas limitações e
hesitações, sabe dizer que não aos senhores e senhoras quando entende que deve
fazê-lo e não parece disposto a beijar as mãos que a seguir o vão açoitar com
as vergastas da austeridade, da dívida e outras malfeitorias?
O que o primeiro ministro de Portugal em exercício fez com
esta declaração foi uma admissão de sabujice, uma confissão de servilismo, um
reconhecimento de que em vez de “acima de tudo Portugal”, como rezam as suas mentiras
eleitorais, é abaixo de tudo os portugueses, se for abaixo de cão tanto melhor.
Sabemos que a intimidade do primeiro ministro de Portugal em
exercício com a língua de Camões é nula e de pouco efeito. Neste caso, se
efeito teve foi o de o primeiro ministro de Portugal em exercício ter falado
contra si mesmo, o que aliás acontece a qualquer vulgar capataz, capturado nos
entranhados enredos da mentira, nas contradições inevitáveis entre o que diz e
o que faz, porque os seus feitos são de encher qualquer um de vergonha, mesmo
que esta lhe falte, e ele sabe-o.
Pois o primeiro ministro da Grécia em exercício e os seus
companheiros de governo conseguem dizer não aos senhores e senhoras e, para se
sentirem mais fortes na decisão, atrevem-se a consultar os servos da gleba em
referendo, de modo a que o confronto seja como deve ser: o do povo esbulhado
contra as senhoras e os senhores cleptocratas.
Enquanto isso, o primeiro ministro de Portugal em exercício,
em conjunto com o governo, não apenas se arroja perante os carrascos do seu
povo, para mostrar que é o capataz ideal, como ousa ir além das suas ordens, cuidando
assim habilitar-se a mais e melhores prebendas, novas e repetidas festinhas
no pelo. A seguir, sorrateiro e irresponsável, tem o desplante de vir queixar-se
ao povo sobre a inflexibilidade dos donos, que supostamente não é exercida contra
outros. Povo esse submetido à canga, porque jamais foi ouvido pelo primeiro
ministro de Portugal em exercício, e os outros que o antecederam, sobre estar
ou não na União Europeia, estar ou não no euro, ser ou não carne para canhão
dos credores. Faltando, por isso, as condições indispensáveis para que se trave
o necessário combate entre o povo esbulhado e os senhores e senhoras
cleptocratas.
Em Portugal, o povo – esse ente que o primeiro ministro em
exercício não conhece – costuma dizer que quanto mais alguém se abaixa mais … o
resto todos sabemos. Na Grécia, mesmo que o dito tenha a sua versão, o governo
em funções não o pratica. Eis a diferença. Uma diferença que até qualquer
iletrado capataz deveria ser capaz de entender.
Sem comentários:
Enviar um comentário