Todos sabemos que os Estados Unidos da América são os
campeões dos direitos humanos, qualidade que lhes faculta a possibilidade de
actuarem como juízes na matéria e promoverem guerras, assassinando milhares de
seres humanos e espalhando multidões de refugiados através do mundo, lá onde os
direitos humanos são violados sem qualquer pudor.
É sabido que os Estados Unidos nada têm a ver com o desmantelamento
de um país chamado Líbia, a fragmentação do Iraque em múltiplos cenários de
guerra, a transformação do Afeganistão no Eldorado dos empresários
multinacionais de heroína, ou com a destruição de um país chamado Síria e a
liquidação massiva de milhares dos seus habitantes. O apego norte-americano aos
direitos humanos é tal que os seus dirigentes, com o presidente Obama à cabeça,
estão consternados com a proliferação de refugiados na Europa provocada pelos
enunciados conflitos, mostrando-se disponíveis – por enquanto apenas em
palavras – para acolher um lote de 10 mil enquanto mandam erguer mais muros e
cercas para dissuadir uma praga de mexicanos que sempre os ameaça.
Em matéria de direitos humanos os Estados Unidos da América
são igualmente um exemplo no combate à tortura, actividade que não praticam e,
como diz gente carregada de más intenções, nem voltam a praticar.
Confirmou-se agora, porém, através das repercussões na
comunicação social das notas de um advogado de um detido de Guantanamo, esse
campo de férias erguido pelo Pentágono e a CIA em território cubano ilegalmente
ocupado, que os presos ali confinados são submetidos a sessões de tortura com
alguma regularidade. Um deles, de nome Abu Zubaidah, foi vítima de
waterboarding – simulação de afogamento até à inconsciência - 83 vezes num único
mês, além de ser alvo de continuados espancamentos e tratamentos humilhantes.
Zubaidah, preso há nove anos sem culpa formada – norma corriqueira em qualquer
catálogo de direitos humanos – já cegou de um olho em consequência de tão
generosa hospitalidade.
Notas de outros advogados revelam que as atrocidades são cometidas
por indivíduas e indivíduos embriagados, que recorrem ao que estiver mais à mão
sejam martelos, tacos de basebol, prosaicos varapaus ou mesmo aos próprios
cintos, como qualquer pai disciplinador com mente medieval. Claro que pessoas
com estes comportamentos não podem ser da CIA e outras instituições igualmente democráticas
e respeitadoras dos valores básicos “da nossa civilização”. Por isso o
presidente Obama, os seus ministros e secretários, os seus conselheiros e
agentes de censura decidiram que tais actos não podem ser reconhecidos
oficialmente, incluindo as notas dos advogados de defesa, que agora vão ter de
se haver com a lei apesar de reclamarem que as suas denúncias são feitas de
acordo com a Lei e a Constituição.
Há meses ainda vieram a lume, por acção voluntarista de membros
do Congresso – certamente quintas colunas do terrorismo universal – algumas denúncias
dessa tortura, ainda que poupando os cidadãos à identificação dos esbirros e
aos lugares clandestinos onde praticam tortura, embora se saiba que alguns se
situam na democrática Europa. As ondas de choque das revelações, porém, terão
incomodado a CIA e o Pentágono, consideradas até nocivas para o esforço de
guerra desenvolvido pelos denodados destacamentos libertadores.
Agora o presidente Obama e os seus declararam que tais
assuntos são confidenciais, uma vez que segredo de Estado deve continuar a ser
segredo de Estado, em nome da segurança do Estado e dos cidadãos, mesmo que o
Estado tenha deixado de ter alguma coisa a ver com estes.
Ignore, portanto, tudo quanto atrás ficou escrito sobre
práticas violadoras dos direitos humanos pelo país que mais os defende. Ignore
que a Administração norte-americana gere lugares clandestinos, ou nem tanto,
onde se praticam sessões de tortura. Tal não existe; o que é oficialmente escondido
não existe. A bem do respeito pelos direitos humanos.
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