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terça-feira, 29 de setembro de 2015

FORTE ROMBO NA FORTALEZA DE MADRID


 


Algumas mentes formatadas com o software quadrado do “arco da governação” apressaram-se a concluir, nos meios de propaganda onde escrevinham e arengam, que os independentistas da Catalunha perderam as eleições. Que isto e que aquilo… Que tiveram maioria absoluta de lugares do Parlamento mas uma minoria de votos, o que não lhes dá legitimidade para aplicarem o programa separatista, enfim, que foram fragorosamente derrotados.
Passemos como por brasas sobre o facto de tais analistas serem os mesmos que defendem leis eleitorais tão distorcidas quanto possível, que admiram o exemplar caso britânico onde uma votação desconsoladoramente minoritária em números pode garantir uma trucidante maioria absoluta em lugares. A isto chama-se coerência e sentido de oportunidade.
Voltemos, porém, à Catalunha. Os independentistas de Mas (direita nacionalista), Oriol Junqueras (Esquerda Republicana) e Antonio Baños (Comités de Unidade Popular, CUP’s) não serão, talvez, as figuras certas nos lugares certos. Mobilizaram, no entanto, quase 48% do eleitorado numa votação que foi a maior de sempre na história catalã. O que não é dizer pouco, sendo que, além disso, têm uma confortável maioria absoluta parlamentar. É verdade ainda que Baños se demarcou já da estratégia independentista unilateral privilegiando, nos termos do seu discurso, a luta social contra as privatizações e a austeridade que o governo de Artur Mas tem praticado. O irredentismo independentista está a patinar nas profundas contradições ideológicas de quem hoje o interpreta.
Uma coisa é esta realidade parcial, outra é a observação global. Nesse aspecto, as eleições demonstraram que nada poderá ficar como está. Porque no meio das conjecturas e especulações sobre a independência, o conceito que triunfou, sem qualquer margem para dúvidas, foi o do soberanismo, o da afirmação democrática e autónoma da vontade do povo da Catalunha na gestão dos seus interesses, seja através da independência ou de uma autonomia de nível muito superior ao actual, seja no quadro de uma federação espanhola.
Olhando a situação segundo esta perspectiva, quem perdeu as eleições foi o situacionismo à madrilena. Contra esses factos não há argumentos: o arco madrileno da governação, formado pelo neofranquista Rajoy – que não conhece sequer a Constituição, doença de que não é o único a sofrer na União Europeia – os seus apêndices Ciudadanos e os socialistas representam 37% dos lugares parlamentares. Sendo que o PP de Rajoy, que governa a Espanha, não foi além de 11 deputados em 135.
Vitória do soberanismo, derrota do situacionismo, este é o resultado das eleições catalãs. É verdade que não existe um campo aberto para uma independência unilateral, porque a CUP já declarou que não apoia Artur Mas e, nessa matéria, deixa de haver maioria parlamentar absoluta. Mas existe um imenso espaço para negociar, porque o soberanismo tem mais de 62% dos lugares, incluindo os 11 eleitos pela coligação entre a Esquerda Unida e o Podemos.
As eleições catalãs, juntamente com algum paralelismo que existe num País Basco cada vez mais expectante, demonstraram que Espanha tem de olhar para uma nova estrutura e uma nova rede de vínculos no seu Estado nacional. São cada vez mais fortes os sinais de que os povos de Espanha querem ter outra relação com o centralismo de Madrid, um misto anacrónico de reis católicos e autoritarismo franquista aplicado por uma caricatura de suserano dos interesses financeiros internacionais e de uma igreja católica ultramontana, incapaz até de se rever no Papa Francisco. Regime este que é levado nas palminhas pelos poderes europeus, que chantagearam à tripa forra durante a campanha eleitoral catalã, sem esquecer a NATO, pois claro.
As eleições catalãs explicaram que a transição de 1975, um regime de índole franquista sem Franco com fachada democrática, ultrapassou já o prazo de validade.
Espanha deve a si mesma uma República e uma união de povos soberanos, como os eleitores decidiram antes de serem brutalmente arrasados pelo banho de sangue imposto há quase 80 anos por Franco e os seus esbirros. A direita independentista catalã provavelmente nem terá este débito em conta, e talvez por isso não tenha chegado à maioria pretendida. A mensagem global dos catalães foi outra, e muito sábia. O caminho apenas começou, mas a fortaleza de Madrid sofreu um forte rombo.
 

 

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