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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

A SUA PRIVACIDADE É ZERO


 
O título deste apontamento não é novidade, eu sei. Uns acreditam que a sua vida privada ainda tem o valor e o conteúdo que as Constituições, tratados, leis nacionais e internacionais lhes garantem; enfim talvez prefiram viver na inocência, na ignorância e achem que os votos piedosos desejados em alturas como esta, bem-intencionados é certo, também são extensivos aos senhores e senhoras da delacção, da intrusão, da bisbilhotice militar, económica e política. Outros, mais realistas, quiçá melhor informados, já perderam as ilusões e sabem, provavelmente até sem grande soma de pormenores técnicos, que a vida de cada um é pasto de devassa total daqueles que em nome da nossa “segurança” colocam sob um vendaval de ameaças o direito, agora meramente teórico, de sermos nós próprios e termos livre arbítrio. Como gosta de dizer o socialista e ministro francês do Interior, Bernard Cazeneuve, a vida privada não é um direito humano.

A explicação desta longa introdução tem a sua razão de ser precisamente na terra do senhor Cazeneuve, Paris, por coincidência ou talvez não, para o caso tanto faz. O cenário é a Milipol parisiense, grande feira mundial dos equipamentos militares e de espionagem de últimas gerações, magno certame estratégico, como devem compreender, porque guerras há muitas, muitas outras hão-de vir e quanto ao terrorismo nem é bom falar: multiplicam-se os que dizem combatê-lo, inventam-se prodígios da técnica para detectar as suas manhas e ele cresce sem parar. Os americanos têm a fama de serem teimosos em manter o mercado livre das armas - e que mercado seria efectivamente livre amputado desse sector? – mas os franceses acolhem a maior feira mundial do ramo, pelo que nunca se devem atirar pedras aos telhados do amigo quando os próprios são de vidro.
Ao que consta entre quem está familiarizado com as novidades da espionagem, a grande vedeta do enorme certame parisiense nem sequer tinha stand próprio. A modesta empresa israelita Magen subiu aos topos do ranking da curiosidade com o seu Mabit, um aparelho pouco maior que um rooter e que, colocado num café, num restaurante, num hotel ou algo semelhante, recolhe nas imediações tudo o que seja passawords de e-mails (gmail e hotmail incluídos), conteúdos de páginas web e actividades de facebook e twitter, mesmo quando sob protocolos de segurança. O Mabit está apto a aspirar tudo o que há em smartphones, tablets e demais gadgets funcionando numa extensa vizinhança. Pois claro, hoje em dia qualquer um que ande na rua, visite cafés e restaurantes é um potencial terrorista, cabendo-lhe provar que talvez não o seja. Entretanto, a Magen e outras magens e os que a elas recorrem já lavraram as suas sentenças e as transmitiram a quem de direito. Sabe-se que o êxito foi tal que a Magen já assegura apenas a exportação de Mabits para os próximos meses.

Os génios criadores, e sem mãos a medir, são Nir Barak, antigo engenheiro da unidade de intercepção dos serviços militares de espionagem de Israel; Yacob Amidror, ex-director do Mossad, a espionagem externa de Israel; e Shabtai Shavit, ex-director do Conselho Nacional de Segurança de Israel. Pequena empresa mas tendo por detrás um Estado poderoso, conhecido pela sua eficácia terrorista e a sua aliança “indestrutível” com a maior potência militar mundial.
Edward Snowden escancarou a caixa de Pandora que o governo mais poderoso do mundo e os seus aliados manipulam para fazer dos cidadãos simples carneiros vigiados ao pormenor, enquanto julgam que são livres e têm capacidade de decidir em assuntos que lhes dizem única e exclusivamente respeito. Apesar da envergadura da estrutura orwelliana que denunciou, ela representa parte de um todo cuja extensão é inimaginável, feito de múltiplas áreas de intervenção através das quais nenhum dos nossas actos passa em claro.
Não querendo ser exaustivo, pensem só no que aí está plantado e nós já sabemos: serviços estatais de espionagem de cidadãos e instituições, serviços de espionagem militares, monitorização por satélites em tempo real e visionamento ao centímetro, milhões de câmeras ditas de segurança em ruas e estabelecimentos, redes de hackers ao serviço de Estados para espiar e viciar a internet, escutas não autorizadas de telefones; e agora mabits e outras aparelhagens do género sugando os conteúdos de meios de comunicação privados ou públicos usando wifi. E não se iludam: para estes soldados do exército universal da devassa nem o céu é o limite.

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