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sábado, 12 de dezembro de 2015

O FUNDAMENTALISMO DO DÉFICE



A União Europeia continua mergulhada na estagnação, os alentos económicos que diz sentir são fogachos mortiços, ateados e mantidos por um Banco Central Europeu que faz de fogueiro a contragosto, muito mais tentado em confiar cegamente no bendito axioma de que o mercado se regula a si próprio.
Em Bruxelas, porém, quando se juntam os dirigentes europeus, tanto os maiorais como os sectoriais, a inquietação é só uma: que se respeite a meta dos 3% de défice.
A União Europeia sofre uma das maiores crises sociais dos seus tempos de vida, os níveis de desemprego continuam assustadores, o regime de austeridade faz alastrar as bolsas de miséria e pobreza como uma epidemia de peste.
No entanto, quando os representantes dos governos dos 28 se juntam para conversar uma só coisa os incomoda: que se cumpra o limite dos 3% de défice.
A União Europeia sofre a pressão provocada por uma vaga de refugiados sem comparação na sua história, onda essa resultante de guerras que a União Europeia se entreteve e entretém a alimentar paulatinamente e que agora pretende enfrentar dando passos de gigante na direcção da instauração de Estados policiais, do encerramento de fronteiras, do pagamento de fortunas a terceiros, com alma de ditadores, para que façam os trabalhos sujos em troca da agilização dos mecanismos facilitadores de adesão.
Contudo, quando os chefes de governo e ministros dos 28 se juntam para discutirem os seus assuntos um só os faz espremer as meninges e tirar dos coldres as armas das ameaças: ou se cumpre a meta de 3% de défice ou…
Os muros, as cercas electrificadas, as ordens de atirar a matar contra refugiados que podem ser terroristas e vice-versa crescem e disseminam-se através de todo o espaço europeu; dos cacos do muro de Berlim renascem barreiras que separam famílias e isolam países; com eles reforça-se a fortaleza Europa.
Porém, sempre que os dirigentes da União, imunes a essas restrições, chegam a Bruxelas para trocar umas ideias sobre os seus assuntos um só muro os apoquenta: que a barreira dos 3% de défice seja intransponível.
Os fascismos ressuscitam em toda a Europa. O regime com sustentação neonazi criado pelos Estados Unidos, a União Europeia a NATO na Ucrânia continua a desmantelar o país; o nacionalismo doentio da aristocracia húngara, no poder com a cumplicidade dos governos dos restantes 27, restaura-se como máquina de repressão, segregação e prenúncios de morte; em França a Srª Le Pen faz de Donald Trump enquanto Trump faz de Le Pen nos Estados Unidos, uma confraria que parece vender saúde; do Báltico a Paris recuperam-se as memórias, os ideários e a vocação exterminadora dos colaboradores de Hitler.
Apesar da ameaça que tal situação traz no bojo, provavelmente não passará de um fait-divers à sobremesa dos banquetes dos chefes europeus, porque o assunto que os motiva, o que agora e sempre os mantém alerta e com os dedos tensos nos gatilhos é o respeito pelo défice máximo de 3%.
Enquanto isso, a NATO pede – e quando a NATO pede é uma ordem – que os orçamentos dos Estados da União Europeia pertencentes à aliança reflictam os denodados esforços que o atlantismo distribui por todo o mundo, ao que diz com o intuito de instaurar a paz e a democracia multiplicando as guerras e expandindo o caos.
Essas exigências, helas, obrigam Bruxelas a refazer contas, mas o problema nada tem de dramático. Os dirigentes europeus estão sempre do lado das soluções e para isso cortam, voltam a cortar, e se for preciso cortam ainda mais na saúde, na educação, nos salários, na capacidade de sobrevivência das pequenas e médias empresas, nas reformas dos contribuintes. Porque os orçamentos, para o serem a valer, têm de assegurar que o défice em nada exceda o valor sagrado dos 3%.
A barreira do défice de 3% é a pedra de toque da União – a bem dizer a pedra filosofal para uns quantos. Ela é o verdadeiro segredo da existência da União, a sua razão de ser. É o disfarce de uma União federativa que não ousa assumir-se com franqueza, porque criada à revelia dos povos; significa a instauração de um regime económico comum aos 28, subalternizando-se assim a vontade dos cidadãos manifestada em urnas; é a liquidação da soberania dos Estados, porque impedidos de produzir os seus próprios orçamentos; é a transformação de 27 governos e dos povos desses países, respectivamente, em serviçais e reféns de uma moeda que apenas serve os poderosos de um único e poderoso país; é a erradicação do Estado ao serviço dos cidadãos, reduzido a facilitador da ganância dos gigantes privados e, ao mesmo tempo, impedido de proceder a qualquer investimento público capaz de beneficiar as pessoas e criar emprego.
A União Europeia irá afundar-se no caos em que vive e que continua a alimentar, fatalidade que se aproxima com celeridade porque a comunidade tem amarrado aos pés o pedregulho do fundamentalismo do défice.
A morte da União Europeia não será uma tragédia, antes pelo contrário, poderia ser uma bênção. O trágico é a probabilidade de tal ocorrer num ambiente de convulsão, ou mesmo de guerra, em que as vítimas sejam os povos - como se induz que irá acontecer.
 

 

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