Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, que ele
próprio considera como sendo “a da última oportunidade”, declara-se alarmado
com as “fragilidades” e as “rupturas” de que sofre a União Europeia e admite que
a organização “não se encontra em bom estado”, podendo mesmo ter chegado ao “
princípio do fim”.
“Não é preciso ir muito longe para encontrar os responsáveis”,
diz Juncker. E acusa “os governos dos Estados membros, que ele vê reféns “do
nacionalismo e do populismo” quer “sejam de esquerda ou direita”. Um pequeno
parêntesis para lembrar que quando o presidente da Comissão fala de “esquerda”,
no linguajar eurocrata isso significa partidos socialistas e sociais-democratas
na sua versão da gestão bipolar e monolítica dos assuntos europeus,
visivelmente em decadência.
São duras e cruas as palavras de Juncker. Foram proferidas a
15 de Janeiro em Bruxelas, durante um encontro com jornalistas onde deixou
desabafos autocríticos como este: “ a minha geração não é uma geração de
gigantes””.
O diagnóstico não é novo. Está plasmado e visível na
comunicação social, mesmo naquela que se diz “de referência” e para a qual a
Europa não se discute, há que fazer o que Bruxelas manda, doa a quem doer,
sabendo-se que dói sobretudo às maiorias dos menos favorecidos. O que
surpreende, apesar de se conhecer o seu estilo informal quanto baste, é o tom
da advertência do presidente da Comissão, que desta feita não poupou os
governos e disparou um míssil na batalha institucional entre a Comissão e o
Conselho.
Alguns analistas interpretaram as palavras de Juncker como
uma manifestação de “pessimismo inteligente”, um método para espicaçar as
instituições de maneira a que procurem soluções urgentes para os muitos
problemas da União e expondo-lhes, ao mesmo tempo, um cenário de urgência, como
quem diz que nada é eterno, nem mesmo a União Europeia. Citou quatro problemas
que atingem em cheio os 28 – terrorismo, refugiados, a Ucrânia e a Grécia – não
escondendo que deles e outros decorre uma “policrise” perante a qual detectou “tantas
fragilidades e rupturas”.
O aviso, apesar de alarmante, teve pouco eco. Talvez por já
prever que isso acontecesse, o presidente da Comissão Europeia desabafou que não
tem “grandes ilusões” sobre o ano que começou. De facto, as circunstâncias
dão-lhe razão, porque nem todos os responsáveis, a começar pelos de maior
influência, parecem manifestar inquietação com o “estado da Europa” e resvalam,
sem dúvida, para os terrenos movediços do nacionalismo e do populismo, os quais
alastram - e parece que sem contenção - nos dois pilares da União, o chamado “eixo
europeu” e também designado “a locomotiva da Europa”: França e Alemanha.
Em França, o presidente Hollande não usou uma única vez a
palavra “Europa” no seu discurso de ano novo durante, no qual abundaram, ao
invés, as inquietações sobre o estado da “pátria francesa”. O terrorismo é o
culpado desta omissão, segundo os eurocratas, mas estes não têm ilusões de que
no todo da mensagem está implícito – em forma de transigência - o efeito do
impacto dos recentes resultados eleitorais conseguidos pelo neofascismo.
Tendência que, numa demonstração prática das cedências ao populismo denunciadas
por Juncker, o primeiro-ministro Manuel Valls reforçou ao anunciar que o estado
de emergência no país será prorrogado até que “seja derrotado o Estado islâmico”,
ou seja, por tempo indeterminado. Resumindo: a democracia está suspensa em
França”.
Na Alemanha o panorama é diferente, mas as forças neonazis
amadurecem a alta velocidade e ameaçam a prazo – que provavelmente não será
longo – o status quo da senhora Merkel. O nazismo sempre latente na sociedade
alemã encontrou agora nos refugiados o seu novo ovo da serpente e o partido
Alternativa para a Alemanha (ADF), que só por meia dúzia de votos não teve
acesso ao Parlamento em 2013 – antes da crise actual – prepara-se para entrar
em força em três parlamentos regionais já em 13 de Março, instalando os
primeiros marcos da alteração do mapa político do país. Analistas alemães
advertem que na sombra desta emergência do Adf, anti União e anti refugiados,
estão correntes influentes da CDU da chanceler, descontentes com o “centrismo”
desta.
No meio destes problemas de fundo, outros do mesmo tipo se
manifestam de maneira exuberante na Polónia, país que o diário espanhol El País
designa como o “Kackzinskystão, de Jaroslaw Kackzinsky, o homem sombra que
conduz e manipula a extrema-direita no poder, exercido em maioria absoluta com
37 por cento dos votos obtidos em abstenção de metade do eleitorado; e na
Hungria, onde o regime ultranacionalista de Viktor Orban soma e segue na
instauração da ditadura política, sob os olhares indiferentes, ou mesmo
cúmplices, de Bruxelas.
Polónia e Hungria onde Bruxelas continua a despejar verbas
equivalentes a 4% dos respectivos PIB enquanto regateia à décima o número do
défice do projecto de orçamento elaborado pelo governo de Portugal. É assim que
funcionam as instituições, alegarão os ortodoxos e fundamentalistas da União
Europeia, mas talvez seja mesmo por isso, entre muitas outras incongruências,
que a comunidade tenha chegado “ao princípio do fim”, não segundo as palavras
de um qualquer infiel da liturgia europeia mas do próprio presidente da
Comissão.
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