Todos os
anos o ano começa assim, com o dia internacional da paz: muita paz, muito amor,
muita esperança, este ano houve até quem desejasse menos terrorismo. Os
governantes e até os que os governam fazem discursos bonitos, prometem que
agora é que vai ser, mais justiça, mais igualdade, mais trabalho pela paz,
enfim uma vida nova e redentora.
Amanhã, como
sabemos, tudo está na mesma, provavelmente um pouco pior. As mesmas guerras e
mais algumas, a via-sacra dos refugiados a fugir do martírio e a esbarrar nas
barreiras e cercas que os esmagam, direitos sociais e humanos dos cidadãos e
das famílias em degradação contínua, as esperanças concretizadas representando
uma ínfima parcela das malfeitorias cometidas.
O Papa fala,
apela, e as suas mensagens entram por um ouvido e saem pelo outro não apenas
dos malvados dos senhores da guerra, sabendo nós muito bem que estes não são
apenas os bandidos armados que combatem pelas suas quintas, pelas suas regiões,
pelo leilão dos bens que a natureza colocou na sua zona de influência, mas
são-no também, e com acrescidas responsabilidades, os generais e chefes
políticos da NATO e outras natos, que hipocritamente fazem da invocação de
defender a arte de matar e a destreza de conquistar.
O ano novo
começou igualzinho ao ano velho porque por muito bem-intencionados que todos
sejamos, incluindo, nestas horas, todos os senhores da guerra, não é fazendo votos
a cada uma de uma dúzia de passas engolidas, mudando de calendário e de agenda
que o mundo se despovoa da cáfila de malfeitores que o destroem ora
governando-o, ora apropriando-se em privado dos bens que são de todos, ora
organizando as pessoas em exércitos e rebanhos ao serviço de interesses que não
dizem respeito a cada individualidade que os compõe, ora poluindo-o enquanto
asseguram que o irão despoluir com resultados que poderão talvez ser observados
a partir de 2050, quem viver verá.
Acreditar
que cada novo ano é capaz de trazer a paz é o mesmo que passar a vida inteira à
espera de um milagre sabendo que milagres não existem, a não ser os que forem
obra de cada um de nós. E se for juntando forças, ideias e convicções, tanto melhor.
Isso não acontecerá num dia em que mudar o ano ou num dia internacional de
qualquer coisa, mas sim quando finalmente existirem as forças e condições para
nos vermos livres dos famosos donos disto tudo. Impossível? Impossíveis são os
milagres: isto podemos tentar. É a escolha entre o milagre e a vida, entre a
espera inútil e a acção capaz de produzir efeitos, até quando menos se espera.
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