Poucas situações geram um tão elevado número de opiniões
coincidentes como a do estado desgraçado em que o mundo se encontra.
Exceptuando os donos da opulência, poucos em número embora soberanos no poder,
os tolos que argumentam com um optimismo incurável enquanto o sangue da
tragédia humana planetária jorra em cascata sob os seus olhos, e os iludidos
crentes de vários matizes que, contra todas as evidências, ainda acham que as
divindades vão curar as chagas cada vez mais profundas, a esmagadora maioria
dos seres terrestres, pelo menos no íntimo das suas consciências, não duvidam
da situação dramática a que isto chegou.
O objectivo deste escrito não é o de enumerar as guerras,
relatar os casos identificados de rapina global, as operações gananciosas e
impunes para destruição do planeta. As atrocidades são tantas, e engendradas
segundo artifícios tão diversificados, que o risco seria o de banalizar os
crimes e deixá-los apenas alinhados como numa fatigante e inexpressiva lista
telefónica.
Importante será lembrar, à luz de uma ou outra realidade
grave e antes que o seu destino seja o esquecimento, isto é, a impunidade dos
criminosos, que o estado do mundo não é um terrível caso de azar, um nefasto
golpe de má sorte.
Nada disso. A degradação do mundo do ser humano é obra do
próprio ser humano através de poderes delegados naqueles que menos deveriam
exercê-los, os principais dirigentes mundiais em exercício. Entre os titulares
de cargos que têm realmente capacidade para influir nas coisas do mundo não há
um único que se aproveite, competem entre si nas capacidades e atributos para
fazer degenerar os assuntos internacionais sem qualquer respeito pelos seres
humanos.
Em consciência deveria abrir aqui um parêntesis para
registar uma potencial e muito recente excepção, a do papa Francisco. É um
homem que põe os dedos nas chagas mundiais e faz os diagnósticos correctos.
Porém, fala directamente às consciências, coisas anacrónicas que os dirigentes
mundiais, para o serem, erradicaram das suas pessoas. Francisco prega no
deserto: quem o escuta não tem poder; os que decidem não o ouvem, por muito que
lhe acenam ou sorriam.
Fechado o parêntesis, é altura de evocar um exemplo recente
e que reúne muitos dos comportamentos que caracterizam as mentalidades
desviantes dos que verdadeiramente nos governam. O caso chegou à comunicação
social dominante com algum vigor – porque tem nutridos conteúdos de mentira e
escândalo – mas, envolvendo quem envolve, caminha rapidamente para o
esquecimento de onde não há que esperar qualquer consequência, muito menos a
punição dos responsáveis.
É o que acontece com o Relatório Chilcot, elaborado em
Inglaterra e que desnuda, sem margem para dúvidas, o comportamento vergonhoso
do ex-primeiro ministro Tony Blair e dos seus comparsas da Cimeira das Lages –
George W. Bush, José María Aznar e Durão Barroso. Nesta reunião magna nos
Açores foram acertadas as trapaças e ordenados os falsos pretextos para a invasão
do Iraque em 2003. Treze anos e milhões de vítimas inocentes depois, entre
mortos, feridos, estropiados e desalojados num país ora destruído, o caos
instalou-se em todo o Médio Oriente e o terrorismo dito islâmico dele
decorrente tornou-se um foco de sobressalto mundial.
George W. Bush, um ícone das atrocidades universais contra
os direitos humanos, goza uma reforma dourada nos seus ranchos; José María
Aznar usufrui das imensas regalias que em Espanha continuam a gratificar os franquistas
de novo ou velho tipo; Durão Barroso foi contemplado com a presidência da
Comissão Europeia e, a seguir, com um lugar executivo na seita governante
conhecida como Grupo de Bilderberg e uma posição de topo no Goldman Sachs, o superbanco
mafioso que, segundo o seu presidente, “faz o trabalho de Deus” na Terra.
E Tony Blair? Pois esse bom católico que reduziu o Partido
Trabalhista Britânico a uma parte do partido único neoliberal de inspiração
thatcherista, dedica-se a conferências milionárias e a aconselhar governos
intrinsecamente democráticos como são a ditadura militar do Egipto e a sádica e
terrorista petroditadura da Arábia Saudita.
Mas provavelmente muitas pessoas já se esqueceram de que Tony
Blair é o chefe do chamado “Quarteto para a Paz no Médio Oriente”. Não é ficção
negra, é verdade factual: continua à cabeça dessa engenhoca que nasceu
moribunda mas serve para encobrir, com o aval dos poderes mundiais, a
colonização contínua da Palestina por Israel, mesmo depois de revelado o
conteúdo do Relatório Chilcot. Um dos dirigentes mundiais que desencadeou uma
guerra que deu origem a uma nova e acelerada fase de destruição do Médio
Oriente é também o chefe do “Quarteto para a Paz no Médio Oriente”.
E quem constitui esse Quarteto? Os Estados Unidos, como não
podia deixar de ser; a ONU, actualmente uma correia de transmissão de
Washington e do Pentágono; a União Europeia, desempenhando o papel de corpo
presente, reservando toda a agressividade contra os povos mais desprotegidos
dos países europeus; e a Rússia de Putin.
O Quarteto pode ser uma caricatura, mas junta as principais
forças e organizações mundiais sob a chefia de Tony Blair, um dos responsáveis
por um dos maiores crimes dos nossos tempos.
Salta à vista que o estado degenerado do mundo não é fruto
de um golpe de azar, de uma nefasta conjuntura de má sorte.
É com mágoa e uma enorme raiva que leio este artigo pois ele exprime muito bem o maldito mundo em que vamos tentando viver e sem perpectivas de mudança. Os seus artigos, que vou lendo de tempo a tempo, são únicos em Portugal (que eu conheça) e noto com misto de perplexidade os poucos comentários que eles suscitam. E o José é um jornalista conhecido e considerado, pelo menos pela dita esquerda, no entanto, nicles, nada de comentar. Nem por bem nem por mal. É, pelos vistos, muito incomodo para muitos que se fale/escreva sobre matérias e respectivas engrenagens que nos dominam. Talvez prefiram o twitter ou o face para desabafar alguns factos desconexos e de pouca importância, não dando o relevo devido às questões que o José Goulão aborda com coerência e visão estratégica sobre o mundo actual. Pela minha parte obrigada
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